Revelando a Realidade Invisível: Estudo da FURB Ilumina Desafios e Motivações de Costureiras Faccionistas do Vale do Itajaí

Uma pesquisa perspicaz conduzida no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Regional de Blumenau (PPGAd/FURB) mergulhou no universo das costureiras faccionistas do Vale do Itajaí, trazendo à luz um panorama complexo de bem-estar subjetivo e motivações profissionais, permeado por desafios significativos. O estudo, liderado pela Mestra em Administração Andreyna Santos, sob a orientação da Dra. em Desenvolvimento Regional Cynthia Quadros, escancara questões cruciais como a baixa remuneração, as exaustivas jornadas de trabalho, a pressão incessante por produtividade e a persistente falta de reconhecimento profissional enfrentada por essas trabalhadoras essenciais para a indústria da moda.

A iniciativa da pesquisa nasceu da identificação de uma lacuna no conhecimento existente. Conforme explica Andreyna Santos, "Embora existam estudos sobre costureiras informais, eles são escassos. Há uma quantidade maior de pesquisas focadas no bem-estar de freelancers e autônomos em condições relativamente melhores. Contudo, ao direcionarmos o olhar para realidades precarizadas, como a das costureiras de facção, encontramos poucos estudos que as contemplem."

Para aprofundar a compreensão dessa realidade, a pesquisadora realizou entrevistas qualitativas e exploratórias com dez costureiras faccionistas atuantes no Vale do Itajaí. Este estudo inicial buscou desvendar três aspectos centrais: o nível de satisfação dessas profissionais com a vida e o trabalho, os obstáculos inerentes à profissão e as razões que as levam a escolher e permanecer nesse ofício.

As motivações primárias para ingressar na profissão revelaram um forte elo com a necessidade de conciliar a vida profissional e familiar. A possibilidade de trabalhar em casa, a proximidade com os filhos, a autonomia na organização do tempo e a satisfação intrínseca com a atividade de costurar foram pontos cruciais mencionados pelas entrevistadas.

Entretanto, a permanência na profissão é constantemente ameaçada por desafios consideráveis. A instabilidade financeira, a cobrança incessante por alta produtividade, a ausência de reconhecimento profissional e a dificuldade em estabelecer preços justos pelos seus serviços foram apontados como os principais entraves.

No que tange ao bem-estar, o estudo desvela uma relação paradoxal com o trabalho. Se, por um lado, a autonomia e a sensação de realização profissional nutrem emoções positivas como orgulho e satisfação, por outro, a insegurança econômica, a sobrecarga de trabalho e a carência de amparo social geram ansiedade e frustração.

As costureiras faccionistas, embora pilares da indústria da moda, operam frequentemente na informalidade, prestando serviços terceirizados de costura. Diferentemente de suas colegas que atuam dentro das fábricas, elas não desfrutam de garantias trabalhistas. Muitas exercem suas atividades em domicílio, individualmente ou em pequenos grupos nas chamadas facções (ou oficinas de costura).

Um dos achados mais alarmantes da pesquisa, na avaliação da pesquisadora, é a extensão das jornadas de trabalho. As costureiras entrevistadas relataram cumprir rotinas exaustivas que podem alcançar até 16 horas diárias, inclusive aos domingos.

Além disso, essas trabalhadoras arcam com os custos dos recursos necessários para a produção – máquinas de costura, linhas, agulhas, energia elétrica – sem a garantia de uma remuneração mínima por peça produzida. A ausência de contratos formais e de tabelas de preços fixas para seus serviços as coloca em uma posição vulnerável, onde o contratante define tanto o valor a ser pago quanto o prazo de entrega.

Andreyna Santos explica que as grandes indústrias geralmente direcionam suas demandas para facções maiores, que congregam um número significativo de costureiras. Já as facções menores, compostas por uma ou duas profissionais que trabalham em suas casas, frequentemente são abastecidas por intermediários, que recebem os lotes de produção das indústrias e os repassam. Essa cadeia de intermediação acentua a precarização, reduzindo ainda mais o valor pago por cada peça confeccionada.

A dinâmica de oferta e negociação de serviços ocorre majoritariamente por meio de grupos em redes sociais, que reúnem costureiras e empresas com demandas de costura. Um levantamento realizado pela pesquisadora identificou que os três principais grupos dedicados a essa finalidade na região somam quase 50 mil membros. A informalidade desse processo expõe as costureiras faccionistas a um risco constante de fraudes.

A motivação para a pesquisa é profundamente pessoal para Andreyna Santos, filha de costureira. "Minha história está intrinsecamente ligada à costura, pois minha mãe é costureira. Sempre vivi essa realidade de perto e percebi que as costureiras trabalham de maneiras muito distintas dos profissionais tradicionais, inclusive dos operários de fábrica. Sinto que elas também sofrem bastante com questões relacionadas ao trabalho, como o cansaço e as condições físicas, mas também com aspectos psicossociais, que são pouco explorados nesse grupo de trabalhadoras. Foi então que decidi pesquisar sobre as costureiras, com foco nas faccionistas", compartilha a pesquisadora.

Coostura: Uma Ponte para a Justiça e Segurança no Universo da Costura

Durante sua jornada no Mestrado em Administração da FURB, Andreyna Santos materializou seu conhecimento e sensibilidade em um projeto inovador: a Coostura, uma plataforma online concebida para conectar costureiras faccionistas a fornecedores de demandas de costura de forma segura e justa. O impulso inicial para o desenvolvimento da plataforma foi um golpe financeiro sofrido por sua mãe, que não recebeu o pagamento por um serviço de costura negociado em um grupo de rede social.

O projeto Coostura foi laureado na 4ª Feira de Inovação e Empreendedorismo do Vale Europeu, em 2023. No ano seguinte, a proposta conquistou o apoio do Programa Mulheres+Tech da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), que forneceu recursos para o aprimoramento da plataforma.

"Atualmente, contamos com 200 costureiras cadastradas em sete estados do Brasil. Dezenas de empresas já utilizaram a plataforma para contratar esses profissionais. Aos poucos, estou contribuindo para o rastreamento da cadeia produtiva", celebra Andreyna. O acesso à plataforma é gratuito para as costureiras, enquanto as indústrias podem utilizá-la por meio de um sistema de assinaturas.

Este estudo pioneiro e a subsequente criação da Coostura representam um passo significativo para dar visibilidade e buscar soluções para as complexas questões que envolvem o trabalho das costureiras faccionistas, um grupo profissional fundamental, porém muitas vezes negligenciado.